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Construção e reconstrução

de um novo “eu”

Você já tentou se olhar no espelho e imaginar como seria se pudesse experimentar ser a mesma pessoa com o sexo oposto? Pois algumas pessoas ao verem seu reflexo não se reconhecem, se sentem “no corpo errado”. A discussão em torno da Teoria de Gênero e das suas reconfigurações tem permeado o Congresso Nacional, rodas de discussão e também o universo acadêmico. A possibilidade de modificar o corpo, de construir uma nova identidade de gênero trouxe liberdade para essas pessoas que se sentiam presas em padrões de uma sociedade baseada em rótulos.

 

Igor Pinho, 27 anos, natural de Santa Cruz (RN), é um exemplo da possibilidade de fluidez na identidade de gênero. Aos 18 anos resolveu assumir uma imagem feminina, que batizou de Nicole. Depois de 8 anos resolveu fazer o caminho inverso e em meados de 2016 ressurgiu como Igor. Ele é homossexual assumido, trabalha por conta própria em seu Salão de Beleza e atualmente mora com os avós. Em nossa conversa, fez parecer que esse processo de montagem e desmontagem de uma identidade de gênero é fácil.

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Ele é o que podemos chamar de nômade na fronteira das imposições sociais que tentam classificar, rotular e criar normas. A atitude de Igor rompe com paradigmas, até os de que o travestimento deve ser um caminho sem volta. Para Igor é apenas “uma brincadeira, onde o menino brinca de ser menina”.

COM A PALAVRA - Como você se percebeu diferente da maioria dos meninos?

IGOR PINHO - Você começa a ver interesses muito pessoais, desde brincadeiras e afinidades mais com meninas do que com meninos. Você se sente mais a vontade de uma maneira diferente do normal. Não é o padrão, como eles dizem, como eles impõem: “menino pode fazer isso, menina pode fazer aquilo”. Eu sempre tinha uma tendência para gostar de coisas denominadas femininas.

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COM A PALAVRA - Houve resistência por parte da sua família? Eles tentaram te mudar?

IGOR - Sim, sim. Uma não aceitação mais por parte dos meus avós, porque eu fui criado com meus avós e não com os meus pais. Eles me criaram e tiveram onze filhos. Só se criaram três mulheres e criaram um neto. Qual o intuito de [criar] um menino? Vamos criar, uma criança do sexo masculino, naquele intuito de ter um filho, um progenitor, um homem.

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COM A PALAVRA - Como foi a conversa com sua família?

IGOR - Eu cheguei, acho que com dezessete ou dezoito anos de idade, eu não lembro, dizendo: “eu sou homossexual”. Porque eu já não aguentava mais a pressão, a cobrança. “Cadê a namorada?”; “você não tem uma namorada?”, “você só gosta de coisa de menina”, “você não pode fazer isso”… Porque a sociedade impõe essas coisas, o que é de menina e de menino. Aí se você quiser isso, vai ser chamado de bicha, de gay. Mas eu soube lidar com isso. Eu sou uma pessoa muito bem resolvida, muito esclarecida. Apesar das coisas que eu enfrentei, a gente sempre enfrenta mesmo sem ter instrução, procurando se impor de alguma maneira como eu fiz. Eu quis mostrar para eles que não era uma opção minha, era uma coisa que vinha de mim, estava em mim, não era uma opção: olha, você pode escolher se é hétero ou é gay. Até eles entenderem isso, teve todos aqueles conflitos familiares e tudo, mas nada que fosse muito me afetar ou que eu guarde alguma mágoa, alguma coisa desse tipo. Não me trataram mal por isso.

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COM A PALAVRA - Sobre a transição Igor X Nicole, como se deu?

IGOR - Foi uma coisa natural. Eu sempre gostei de coisas femininas e eu fui seguindo aquele caminho. Tudo que fosse feminino, me agradava desde sempre. Aí eu comecei a mudar a questão do vestuário, deixar o cabelo crescer...já foi outra barreira, né?

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COM A PALAVRA - Qual foi a primeira peça “feminina” que você usou?

IGOR - Hoje chamam de t-shirt. Hoje homem pode usar uma gola v super cavada. Quando eu usei, nossa, foi um acontecimento. Olharam para mim e disseram: “isso é uma roupa de mulher, você quer ser mulher? Se transformar numa mulher?”. Eu disse: “não, isso é uma peça de roupa normal que qualquer pessoa pode usar, é só querer”. Eu sempre tratei tudo com naturalidade para eles entenderem que era natural. Eu não quis impor nada, nem forçar eles. Eu não disse: “vocês têm que aceitar eu me vestir dessa minha maneira e pronto”. Não é assim.

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COM A PALAVRA - Então como sucedeu? Deixou o cabelo crescer...

IGOR - É. Aí teve o processo do cabelo, de deixar o cabelo crescer, de mudar as roupas. Os trejeitos você muda, o seu comportamento você vai mudando, vai se remetendo a tudo que é o feminino. A maneira de se comportar, de se posicionar, a uma maneira mais feminina. Chegou um momento que as pessoas me tratavam de uma maneira super feminina. Diziam “ela”, não diziam mais “ele”.

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COM A PALAVRA - Qual era a sensação que te passava na cabeça ao se olhar no espelho e ver o cabelo grande e tudo mais?

IGOR - Eu sempre me vi como um menino que gostava de coisa de meninas, não me via como uma mulher, que no caso é a transexualidade. Eu não era um transexual. Transexualidade é uma questão psicológica, não é uma questão de roupa, não é a sua imagem externa. É sim, depois que você se entende. Se você for realmente um transexual, vai querer externar o que você sente por dentro. Eu não era, eu não me sentia um transexual. Eu sempre me aceitei como um menino que gostava de coisas de menina, coisas femininas.

COM A PALAVRA - Como foi a desconstrução de Nicole?

IGOR - É uma coisa que há muito tempo eu trabalhei na minha cabeça. Paras as pessoas foi um ‘baque’ me ver um dia de cabelo longo, super feminino, ser tratado por Nicole e no outro dia... (não que eu impus que elas [deviam] me aceitar como Igor). É uma coisa que estou passando por esse processo, está acontecendo a aceitação das pessoas. Porque você também sofre preconceito por ter mudado para virar uma coisa e depois ter se transformado novamente em outra, ter “regredido”. No caso, eu voltei da figura feminina para a figura masculina novamente.

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COM A PALAVRA - Como foi que aconteceu esse processo?

IGOR - Eu trabalhei isso no meu psicológico durante alguns anos. A demanda para você ser um gay afeminado, se você não tem um suporte físico e financeiro também, pesa muito. No meu caso, como eu não era um transexual, eu não me sentia, não me via como uma mulher. Eu só me via como um gay que gostava de coisas femininas. Eu deixei meu cabelo crescer, usava roupas femininas, mas no meu psicológico eu era apenas um menino.

 

COM A PALAVRA - E em casa, como foi quando cortou o cabelo e começou a usar roupa de homem novamente?

IGOR - Foi normal, para mim foi normal. Houve perguntas sobre o porquê da mudança. Minhas redes sociais foram bombardeadas de perguntas durante mais de duas semanas. Pessoas que eu nem conheço, que só tem um amigo em comum no face, chegaram pra mim e: “por que você mudou?”; “está se relacionando com mulheres?”, “foi por religião?”. E eu sempre dizendo: “não, não foi”. Foi uma opção minha, como foi uma opção minha me transformar em Nicole.

Fotos: Acervo pessoal

COM A PALAVRA - E após ter experimentado a figura feminina, mesmo não se imaginando como mulher, quando você se vê com cabelo cortado e barba. Como fica tua cabeça com esse novo Igor?

IGOR - Hoje eu me sinto melhor, porque eu não tenho aquela cobrança. No meu caso, hoje é tudo muito mais prático, há naturalidade em ser um homem e não se importar com a barba, quando eu tinha a figura feminina, isso era praticamente inadmissível por parte das pessoas. Elas me olhavam e diziam: “Nossa, você tem barba?!” Porque elas me tinham como uma figura feminina. E a mulher, geralmente, não tem barba. Para as pessoas era estranho. É tipo uma cobrança, você se cobra e você vive uma cobrança. Você tem que ter essa postura, porque você se denomina mulher, feminino e você tem que agir de tal maneira.

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COM A PALAVRA - O que estava te incomodando na figura de Nicole?

IGOR - A estética, no fim de tudo, foi o que pesou para mim. Era o que me incomodava, ser escravo da estética. Porque eu denominei assim, eu era escravo da estética. Eu tinha que a todo momento estar feminino para ser aceito pelas pessoas.

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COM A PALAVRA - Você está conseguindo ser aceito como Igor?

IGOR - É normal algumas pessoas fazerem perguntas, comentários. Olham, estranham, se chocam... mas para mim foi tudo normal, como foi para me transformar na figura feminina, e agora está sendo para me transformar novamente numa figura masculina. 

É importante diferenciar:

Arte: Matheus Lino

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Arte: Matheus Lino

Entrevista produzida por:

Diogo de Mendonça

Érika Souza

Isabelle Nunes

Matheus Lino

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Novembro de 2016

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