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"A democracia é tudo!"

Vilma Geralda de Araújo, natural de Campina Grande (PB), 84 anos, nasceu em 1932 e se graduou em contabilidade. Durante a vida viu de perto duas ditaduras no Brasil. A do Estado Novo, patrocinada por Getúlio Vargas (1937-1945) e o período da ditadura cívico-militar no Brasil (1964-1985).

 

O primeiro governo autoritário vivenciado por ela surgiu no contexto do fim da 2º Guerra Mundial, foi um período histórico baseado na ideia de um Governo Federal forte e centralizado na figura de um líder carismático em oposição às antigas oligarquias regionais da República Velha. Mas também de proteção aos direitos do trabalhador, característica típica do populismo latino americano da primeira metade do século XX.

COM A PALAVRA - Fale sobre a política do Brasil durante a sua juventude. 

VILMA GERALDA - Era ditadura! Na maior parte de minha infância foi ditadura de Getúlio Vargas. Não existia eleições para Prefeito e Governador como temos hoje. Tudo era Getúlio Vargas que botava. Ele era um ditador muito inteligente e, com todo respeito, fez muito pelo nosso país. Fez muitas coisas que talvez a política liberal não fizesse.

 

COM A PALAVRA - A senhora gosta da figura política de Getúlio Vargas?

VILMA - Não é nem que eu goste, até porque era muito nova, boba. Mas lembro que no tempo da guerra os países aliados tinham o compromisso de mandar soldados, e Getúlio foi de uma veracidade linda, pois ele segurou até o fim para não mandar nossos soldados, só mandou quando não tinha mais como segurar, mas graças a Deus a guerra acabou. Mesmo assim morreram muitos.

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COM A PALAVRA - Como Getúlio Vargas lidava com as oposições?

VILMA - Tinha nada meu filho. E esquerda tinha vez? Ditadura não é brincadeira não. Ele era metido a bonzão, sabe? Mas ‘ai’ de quem quisesse afrontá-lo. Ele sabia fazer as coisas. Muitas coisas nós nem ficávamos sabendo, mas houveram muitas pessoas sacrificadas. 

 

COM A PALAVRA - A senhora viveu duas ditaduras, notou alguma diferença entre elas?

VILMA - Eu acho que a militar era mais liberal, se é que posso dizer assim. Na cabeça deles eles estavam defendendo o Brasil, eram os nossos defensores. Eles achavam que o país estava tendo perigo de haver uma ditadura, e por isso agiram daquela maneira. Quando Getúlio foi ditador os militares obedeciam a ele. Depois houve o golpe, ai os militares eram os senhores. A ditadura de Getúlio foi mais cruel, era de um homem só.

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COM A PALAVRA - Chegou a ser perseguida pela ditadura militar?

VILMA - Sim, mas não fui presa. Não lembro o ano, tava passando em frente a livraria Pedrosa, tinha um cartaz da Igreja chamando para alfabetizar adultos. Não era nada de política, era educação. Tinha muito analfabeto, era de dá dó, uma tristeza. Trabalhava como contadora, inclusive a firma prestava serviço ao exército. Fui ser professora. Foi uma alegria tão grande, tanta gente querendo aprender. Não lembro o ano, mas era 70.

 

COM A PALAVRA - Por que a senhora não foi presa?

VILMA - Fui detida, tive um medo danado. A polícia na minha porta de noitinha. Os vizinhos olhando. Já era um escândalo eu ser solteira e formada. Presa? Ai danou-se tudo. Mas conhecia o coronel da firma, um homem bonito, educado, da banda do sul. Levava os papéis todo mês "prele" assinar. Quando me viu disse  de olho arregalado “Vilmaaa? Comunista?” Se comunista fizer as pessoas lerem, sou, respondi. Ai ele riu, três horas depois estava solta. Não sofri nada. Mas proibiram as aulas, prenderam um padre, outro fugiu pra Europa. Uma tristeza.

A segunda época ditatorial emergiu do medo da burguesia nacional de uma ruptura do Brasil governado por João Goulart com o bloco dos países capitalistas liderados pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria e de uma possível aproximação com a parte do mundo tutelada pela a hegemonia da então União Soviética.

 

Vilma foi acusada pelo regime militar de subversão por participar de programas de alfabetização para adultos promovidos por alas progressistas da Igreja Católica durante os anos 1970 e quase foi presa.

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Nesta entrevista concedida para o site "Com a Palavra” ela reafirma para as novas gerações sem titubear – “a democracia é tudo!”

COM A PALAVRA - Qual a sua impressão sobre a democracia?

VILMA - A democracia é o ideal para qualquer país. Na verdade eu nem sei se aqui existe democracia, acho que apenas é  um país vestido de democracia. Não existem movimentos. Cadê a esquerda? Não existe!

 

COM A PALAVRA - E a pobreza. 

VILMA - Isso é cultural nosso, já vem de muitos anos na mentalidade do povo. Os humildes acham que sempre tá tudo bem, que a coisa melhor do mundo é um bom dia de um rico, um aperto de mão de um rico. Uns inocentes que não tem visão de nada. Os responsáveis pela cultura não estão nem aí para isso. Eu acho o Brasil um país parado. O que é que a política faz nesse país? Nada!

Foto: Rodeildo Clemente

Entrevista produzida por:

Elton Klever

Luan Coriolano

Marcos Magalhães

Rodeildo Clemente

Samy Oliveira  

 

Novembro de 2016

 "Se comunista fizer as pessoas lerem, sou!" 

 Vilma Geralda de Araújo 

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