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Quem percorre o centro comercial da cidade de Campina Grande com certeza já se deparou com um homem vestido de palhaço que, de megafone em punho, passa o dia fazendo propaganda de lojas. Trata-se de Gavião, personagem criado e vivido por Wellington de Lima, 33 anos.

 

Bem humorado, ele agrega as brincadeiras circenses com a habilidade de comunicador. Casado, pai de dois filhos, nasceu em Mamanguape no litoral paraibano, mas ainda bebê veio para Campina Grande. Gavião mescla o conteúdo publicitário com tiradas cômicas e brincadeiras com os transeuntes. Em quase vinte anos de atuação artística (sendo na rua, no circo ou no teatro) ele tornou-se figura bastante conhecida do público ao ponto de já ter se candidatado por três vezes ao cargo de vereador.

 

O artista, como não poderia ser diferente, criou um slogan irreverente como ele em sua campanha política: “Nem leite, nem café, Gavião que o povo quer.” Apesar de vivenciar o humor diariamente, a trajetória de Gavião está ligada a superação. Foi abandonado pelo pai na feira, e acabou sendo criado por uma mulher a quem chama de madrasta que, segundo ele próprio, o criou com amor. Hoje sustenta sua casa com o que ganha como artista de rua no centro de Campina Grande. 

 Palhaço Gavião: o improviso da publicidade 

 “Nem leite, nem café,  Gavião que o  povo quer ”

 

 Wellington de Lima, 

 o Palhaço Gavião 

COM A PALAVRA - Você sempre faz o trabalho vestido de palhaço?

PALHAÇO GAVIÃO - É, vestido de palhaço, cara pintada. E vários outros personagens, tenho mais de 80. Tem Batman, tem Tarzan, He-Man, tem Hulk, tem Falcão, tem Tiririca, Zé Bunitin, tem um bocado.

 

C. P - Como foi que você começou sua vida artística?

GAVIÃO - Eu comecei fazendo telegrama animado. Depois entrei pro teatro um pedaço, depois entrei um pouquinho pro circo e depois vim para Feira Central. Na Feira Central, fiquei vendendo roupas de Santa Cruz do Capibaribe, com chapéu de chifre, depois com sutiã, num tinha vergonha de nada... Com chocalho na cabeça e tudo. Aí o pessoal foi chamando (para fazer propaganda). Aí peguei e vim pro centro da cidade. Depois não sai mais.

 

C. P - Você fazia o quê no circo?

GAVIÃO - No circo era palhaço mesmo.

 

C. P - De onde veio à inspiração para o nome “Gavião”?

GAVIÃO - Porque o pessoal chamava de Falcão, Falcão de Campina, aí muitos erraram. Aí botaram Gavião, aí ficou Gavião mesmo.

 

C. P - Você tem algum ídolo? Ou alguém que você se inspira?

GAVIÃO - O que eu gostava mesmo e que eu me inspirei, faz assim: (CANTANDO) “I'm not dog no” é Falcão.

 

C. P - Qual seu time de futebol?

GAVIÃO - Eu torço pra qualquer um, pra ninguém ficar com raiva. (RISOS) Mas, eu sou mais exagerado na política, eu visto a camisa mesmo, num tem boquinha não.

 

C. P - De onde veio a ideia de pegar um megafone, se vestir de palhaço e sair fazendo propaganda?

GAVIÃO - Então, a publicidade começou através de telegrama e essas coisas todas. Aí depois eu comecei a fazer megafone porque tinha rumores que não podia botar no centro da cidade carro de som. Eu nunca gostei de carro de som, eu gosto mais do megafone. Hoje em dia, todas as lojas me querem, só que muitas vezes não dá pra me contratar porque às vezes eu estou em outra loja, e nunca fui despedido de nenhuma loja até hoje. Eu mesmo que peço demissão para ir trabalhar nas campanhas políticas.

 

C. P - O que levou a trabalhar com propaganda nas ruas de Campina Grande?

GAVIÃO - O que me levou foi justamente porque eu gosto desse trabalho.

C. P - Você trabalha quantas horas por dia fazendo propaganda?

GAVIÃO - Eu trabalho... depende... oito horas no máximo. De segunda a sábado.

 

C. P - Você falou que trabalhou no circo, no teatro. Você ainda desempenha outras atividades artísticas?

GAVIÃO - Faço aniversário de criança, faço trabalho de telegrama animado, essas coisas todinhas. É só chamar, ligar pro telefone que a gente tá lá.

 

C. P - Você foi candidato a vereador. O que levou você a disputar a eleição?

GAVIÃO - Fui candidato a vereador três vezes, perdi todas três. O que me levou a ser candidato a vereador foi porque eu sempre gostei de ajudar as pessoas. Sempre tem aquele momento assim meio difícil, aí eu disse “não, só tem um jeito deu ter recurso pra fazer isso, se for candidato um dia, ou alguma coisa assim, né?” Mas, Deus é quem sabe daqui pra frente, acho que em 2016 eu serei candidato. Se Deus permitir. Né?

 

C. P - Qual foi teu slogan?

GAVIÃO - Nem leite, nem café, Gavião que o povo quer.

 

C. P - Os textos publicitários são criados por você ou pelas lojas?

GAVIÃO - Eu que crio. Até esse negócio de “primo” (JEITO INFORMAL DE CHAMAR POR PESSSOAS DESCONHECIDAS NA RUA) foi que eu criei aqui em Campina Grande.

 

C. P - E como se dá o processo de criação e execução dos textos?

GAVIÃO - Pronto, quando eu tô trabalhando assim aí depende da empresa e da loja que a gente vai procurar o texto, procurar tudo e depois de ano em ano é que vai mudando assim sempre o repertório. Como assim, às vez a gente bota uma coisa pra fixar na cabeça da pessoa e a gente bota aquele negócio pra melhorar mais a mídia.

 

C. P - Com é que as pessoas o abordam na rua? Como se dá o reconhecimento do público nas ruas.

GAVIÃO - O povo já tá acostumado, é tanto que não dá nem vontade mais de tirar a máscara, porque o povo conhece. O pessoal gosta do trabalho. Graças a Deus eu não tenho inimigo em nenhum canto, graças a Deus! Faço um trabalho que todo mundo goste e que aprecie pra não haver assim... pronto, eu não atingir ninguém nas brincadeiras, né? Porque é muito bom a gente não atingir ninguém nas brincadeiras.

 

C. P - Alguém já se sentiu ofendido com alguma brincadeira que você fez?

GAVIÃO - Graças a Deus, de quase vinte anos aqui no centro, nunca até hoje. Porque eu respeito até o limite da pessoa e não faço brincadeira com... você... com coisa de preconceito, com coisa de você pegar e ficar xingando alguém.

 

C. P - Você já foi alvo de algum tipo de preconceito?

GAVIÃO - Não. Graças a Deus não. Campina Grande eu já andei aqui... João Pessoa também, algumas cidades da Paraíba, aí todo canto... graças a Deus, é porque o pessoal gosta muito do palhaço. Quando você fala de palhaço aí o povo gosta, aí rir, aí pronto.

 

C. P - O que você acha que foi a coisa mais importante que você fez na vida?

GAVIÃO - Quando eu faço um voluntário. Eu vou lá numa instituição carente (REALIZA APRESENTAÇÕES ARTÍSTICAS VESTIDO DE PALHAÇO), alguém me chama pra ir pra uma creche alguma vez, né? Aí eu vou, faço mesmo e não tem esse negócio de cobrar nem nada não.

 

C. P - Você é casado?

GAVIÃO - Tem mulher já, dois meninos. Uma menina de quinze anos e um menino de seis anos.

 

C. P - E é você através do seu trabalho como palhaço que sustenta a casa?

GAVIÃO - Sou eu. O que ganho, eu boto pra casa e fico liso mesmo.

 

C. P - Alguém na tua família é artista?

GAVIÃO - Não, eu tenho dois irmão, mas nem um irmão deu pra isso não. Meus irmão é vigia. Só meu menino, que meu menino já tá... num tem vergonha de nada ele.

 

C. P - E ele está começando como o que? Palhaço também?

GAVIÃO - Tá também. A menina não quer não. Ela estuda, quer se formar. Agora o menino, sempre gosta de fazer aniversário comigo, ir pras festas de palhaço, sabe? Eu visto ele de palhaço, ele vai de palhaço, brinca lá, tudo.

 

C. P - Qual o nome artístico do menino?

GAVIÃO - O nome dele é Cafuringa.

 

C. P - Você estudou?

GAVIÃO - Estudei até o primeiro ano do segundo grau.

 

C. P - Qual a sensação que você sente quando chega em casa e tira a maquiagem?

GAVIÃO - A sensação é que eu não sou a mesma pessoa. Eu gosto mais de tá palhaço do que sem tá palhaço.

 

C. P - Você falou que prefere ser o palhaço a está sem a maquiagem. Mas, diz quem é Wellington?

GAVIÃO - Olha, Wellington é uma pessoa normal. Agora sempre brincalhão, normal, e nunca tá mal humorado. Sempre tá normal e assim por diante. É nunca ter problema com nada e sempre respeitar as pessoas em primeiro lugar.

 

C. P - Você tem algum sonho?

GAVIÃO - Tenho um sonho é de ficar assim fazendo propaganda na televisão. E assim ficar fazendo mídia no meio da rua mesmo, do mesmo jeito. Isso aqui eu não quero sair nunca, quero continuar sempre fazendo amigo.

 

C. P - Quais são seus projetos de vida? Os pessoais e os profissionais.

GAVIÃO - Os pessoais é deixar tudo pronto em casa pra que um dia que eu morra ou qualquer coisa, as crianças tenha já como se virar.  Profissional é continuar o trabalho sempre ajeitando melhor, fazendo uma coisa mais objetiva mesmo e vendo cada vez mais melhorar, porque nunca pode ficar numa coisa só e nem colado em ninguém. Porque senão aí fica meio, como é? Meio rifugo (RISOS).

 

C. P - Defina pra gente quem é Gavião.

GAVIÃO - Gavião é uma pessoa que se dá com o povo e quer sempre o bem das pessoa e quero também renovar o trabalho, que é um trabalho que mesmo sendo pequeno assim, porque é no meio da rua, tal, né? Muita gente, assim...grandes pessoas aí que tem muitos poderes econômicos não dão muito valor, entendeu?

 

C. P - Que lição de vida a arte de rua deixa para você?

GAVIÃO - Deixa aprendizado. Aprendizado porque eu trabalhei com o gerente da Losango, de Fortaleza, ele era uma pessoa muito humorado, que dava apoio a todo mundo. Era seu Paulo, até faz umas três semanas que ele morreu. A gente ficou triste com a morte dele. Ele gostava muito de dar força às pequenas criação no meio da rua mesmo, sabe?! Mas, Deus o tenha, ele era uma pessoa que era... como é que diz? Uma pessoa que dava incentivo e eu gostava muito dele. Uma pessoa boa.

 

C. P - Você já passou por dificuldades financeiras?

GAVIÃO - Já. Eu saí de uma geração de sete qualidade de verme na barriga, morava em Santa Rosa (BAIRRO DE CAMPINA GRANDE), todo mundo lá me conhece de nascença, eu fui criado até quase três anos e meio lá no Santa Rosa, na Vila Cabral de Santa Rosa. E a gente teve fome lá, a minha mãe, minha mãe verdadeira, não tinha condição de criar, tinha sete qualidade de verme na barriga, oito quilo de piolho na cabeça, meu amigo, né brincadeira não. Eu tenho uma foto em casa de quando eu era pequeno, de três anos de idade, se você quiser, eu mostro pra você.

 

C. P - Você disse que sua mãe não teve condições de te criar. E então o que aconteceu?

GAVIÃO - Teve não. Aí ela pegou... Pronto, foi assim: aí tinha três irmão, aí ela pegou nos três e saiu pra pedir esmolas na rua como ela fazia. Aí meus dois irmão, quando meu pai veio pegar pra doar, meus dois irmão correram, e eu como era mais pequeno não tinha condição de correr não. Aí meu pai me pegou, me levou pra feira e foi dar lá na feira.

 

C. P - E deu a quem na feira? Já havia uma pessoa certa?

GAVIÃO - Tinha não. Aí foi da vez que encontrou um pessoal lá do Santo Antônio (BAIRRO DE CAMPINA GRANDE) e tinha três mulher que queria: Dona Baixinha, Dona Eunice das florista e a minha madrasta de criação...

 

C. P - Qual o nome dela?

GAVIÃO - Maria Dolores. Aí ela disse “não, você pega e vem morar com a gente.” Aí a justiça, o juiz, disse: “não, porque você não é casada.” Minha vó também não era casada, era casada, mas, o marido tinha morrido, aí não podia criar não, porque eu ia me criar sem pai, até porque lutaram na justiça e ganharam e fui criado sem pai. É por isso que hoje eu dou valor a ser pai de uma criança, como o meu menino tem seis anos, tudo eu faço pra ele.

C. P - Quantos anos você tinha quando foi doado na feira?

GAVIÃO - Eu tinha três anos e meio.

 

C. P - Na sua certidão de nascimento consta o nome de quem como sendo sua mãe?

GAVIÃO - Tá no nome da minha mãe de verdade. Mas, a casa lá de casa (SE REFERINDO A CASA EM QUE FOI CRIADO) é uma casa que não podia nem mexer nela porque era dela, da minha madrasta que me criou. Aí eu não ia ter... num sei se ia ter direito ou não de alguma coisa, caso ela morresse, alguma coisa, sei lá. Aí o que acontece, eles fizeram uma escritura pra mim no caso de morte ou qualquer coisa.

 

C. P - Você acha que foi criado com amor?

GAVIÃO - “Oxe”, com certeza! Isso aí sem dúvida.

 

C. P - Seus filhos hoje, eles passam por alguma necessidade?

GAVIÃO - Nenhuma. Graças a Deus. Todo dia eu levo coisa, todo dia eu levo coisa pra casa. Porque se faltar um dia sem levar coisa, aí já tão pedindo Danone, já tão pedindo as coisa e eu levo todo dia. Às vezes eu vendo alguma coisa em casa pra poder comprar, mas eu levo, só não faço o que é errado.

 

C. P - Você é feliz?

GAVIÃO - Eu sou, graças a Deus. Eu nunca tive uma tristeza na vida. Eu não sei nem o que é... aquele negócio que o povo diz? É...(estresse) que a pessoa fica doente. Eu não sei o que é estresse. Eu não sei o que é doença, eu nunca sou estressado. E só acordo humorado. Pode ser maior raiva do mundo eu nunca penso em nada errado e nunca tô estressado.

 

C. P - Gavião o que você gostaria de acrescentar nesta entrevista?

GAVIÃO - Olha, eu quero dizer que todos que estão aí, as pessoas que escutarem esse vídeo agora (A ENTREVISTA FOI FILMADA) vocês tenham certeza a coisa melhor do mundo é você viver bem, passar por todo canto, ninguém ter raiva de você, a não ser que você deva em algum canto, porque às vezes eu devo e depois pago, (RISOS) essas coisa aí é normal, né?! E aí você perceber sempre as pessoas do seu lado e nunca virar as costas pra elas.

 

 

Foto: Júlio Céar Rolim

Entrevista produzida por:

Flávio Evangelista

Júlio César Rolim

Pedro Mota

Vouban Bueno

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