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Talento, simplicidade e força de vontade, adjetivos que resumem a vida de uma artesã que luta todos os dias pelo reconhecimento e pelo sustento de sua família. Uma história sobre tradição familiar, propósitos e sonhos.  

 

Dia ensolarado e vibrante, fruto de uma primavera nada amigável e de um inverno que se foi deixando de herança poucas chuvas, realidade desse Cariri e de muitos outros. Nosso cenário foi à cidade de Serra Branca, mais conhecida como a rainha do cariri paraibano, onde fica localizado o Sítio Ligeiro lugar que deu origem a uma família peculiar, que carrega como tradição a arte de manusear o barro. Indícios de que a cultura de seus antepassados, os índios Cariris, conhecidos como hábeis oleiros, continua viva e pulsante na veia desses serra-branquenses.

 

Nossa conversa se deu no refúgio de uma dessas herdeiras, a Vera Lúcia Rodrigues Pereira, que com simplicidade e sem muitas formalidades nos recebeu em sua casa, local onde produz suas peças, e nos contou um pouco sobre sua rotina de artesã do barro, legado deixado por sua mãe. Uma verdadeira aula de humildade, criatividade, paciência, dedicação e força de vontade, que em alguns momentos emocionou e em outros arrancou boas risadas.

 

Filha, esposa, mãe, avó, dona de casa, mulher artesã esses são alguns títulos adquiridos pela Vera Lúcia nestes 45 anos de caminhada. Vera, como é conhecida, aprendeu aos 7 anos de idade com sua mãe Dona Helena Feitosa, já falecida, o ofício de oleiro ou “louceira”, como ela costuma falar. Quando a perguntamos se foi por opção ela imediatamente recolheu seu sorriso tímido e disse: “não, aprendi por necessidade. Minha mãe precisava passar seu conhecimento para alguém e tinha que ser eu. Quando ela faleceu herdei o negócio da família.”, com os olhos marejados, seguido de um suspiro, Vera completou, “ela sim foi uma guerreira”. Dona Helena sustentou a família com esse ofício e transmitiu para a Vera todos os valores que aprendera com os pais também na infância.

COM A PALAVRA - Há quanto tempo você exerce esse ofício?

VERA LÚCIA - Há muito tempo. Eu nasci e me criei dentro das panelas (risos). Minha mãe sempre foi louceira e também aprendeu o ofício desde menina, então acabei seguindo seus passos.

 

C. P - Você tem irmãos? E eles também são artesãos?

VERA - Sim, tenho uma irmã, mas é de criação, minha mãe a pegou pequenininha para criar. Não, ela não quis seguir a tradição da família.

 

C. P - De onde vem à matéria prima, o barro, que você utiliza para produzir suas peças?

VERA - O barro vermelho, que é assim que a gente conhece, eu recolho próximo a uma ladeira que fica por traz daqui de casa. Já o barro preto eu busco no terreno do vizinho que também fica aqui por perto.

 

C. P - Você expõe suas peças todos os sábados na feira de Serra Branca, certo? Mas, você já expos em outras feiras? Ou pretende expor?

VERA - Sim, todos os sábados eu exponho e vendo minhas peças na feira aqui de Serra Branca. Mas também já fui a uma feira de exposição em Monteiro, e às vezes vou para a feira de Coxixola. Gosto de ir para feiras próximas à cidade. Quando me convidam, claro! (risos)

 

C. P - No Brasil, e no exterior o artesanato é bastante valorizado, as pessoas aqui da região costumam admirar seu trabalho? Sua arte é valorizada por aqui?

VERA - Não, infelizmente aqui na região nós artesãos não somos valorizados. Os elogios partem de pessoas de fora, quando estão visitando a cidade. 

Do barro à louça

Enquanto a conversa fluía, a Vera ia moldando uma peça, conforme havíamos solicitado no início da entrevista. Seus instrumentos de trabalhos se resumiam a uma catemba (espécie de espátula produzida artesanalmente com o cabaço) que ajuda a artesã a modelar a peça por dentro deixando o interior liso, um pedaço de madeira ou um prato de barro, que serve de apoio para produzir a peça, um palito de madeira caso seja necessário vazar a peça, e pedras de rio que servem para polir as peças depois de cozidas. Ficamos extasiados com tamanha naturalidade e simplicidade, de como a peça foi tomando forma diante dos nossos olhos curiosos. Dentro de 15 minutos, mais ou menos, a peça ficou pronta e se misturou àquele ambiente simples, mas ao mesmo tempo eminente repleto de obras de arte.  

C. P - Conta um pouco para nós como funciona o processo de produção das peças? Você dedica quantos dias para a produção?

VERA - O processo começa no domingo com o recolhimento do barro, daí se estende durante toda a semana até chegar ao sábado, dia de vender. A produção é lenta e exige cuidados, principalmente no preparo do barro, ele precisa ficar de molho e depois ser peneirado, daí começa o processo de sovar a massa para que fique no ponto de confeccionar as peças. Depois de confeccionada as peças precisam de uns dias para secar e só depois vão para o cozimento no forno.

 

C. P - Essa tradição está na sua família há anos, qual a importância disso para você?

VERA - Olha, estou preocupada, pois, percebo que a tradição está se acabando. Nós dependemos de alguém para passar nossos ensinamentos, mas está cada vez mais difícil. Eu tenho uma netinha, mas ela já demonstra não gostar de mexer com o barro, diz que tem nojo. Minha prima Elizabeth que mora aqui próximo também produz louças, mas não tem ninguém para passar a tradição. Isso significa pra mim que nossa tradição está morrendo.

 

C. P - Você já procurou ajuda de alguém, ou de algum órgão que possa fortalecer ou assegurar a permanência dessa cultura?

VERA - O Sebrae veio até nós, mas eu deixei a oportunidade passar, por medo de não consegui atender a demanda, pois a mão de obra é toda minha, não tenho ninguém para me ajudar. Diferente de Maria José, que também produz e vende na feira daqui. Ela aceitou a ajuda do Sebrae e hoje expõe e vende para todos país. Confesso que foi falta de interesse de minha parte.

 

C. P - Conforme você nos falou essa tradição de família está morrendo, então por que não passar para outras pessoas que não sejam da família?

VERA - Bem, é difícil. Porque não existem muitas pessoas interessadas neste ofício, e quando parece eles querem ser pagos, ter uma renda fixa, e isso eu não tenho como fazer. A Maria José tem empregados, mas como eu disse antes, ela teve apoio e buscou isso.

 

C. P - Você se arrepende de não ter aceitado o apoio do Sebrae?

VERA - Sim, me arrependo. Mas sei que a culpa foi toda minha, por não ter acreditado e me interessado quando tive a chance. 

Vera vende suas peças na feira central de Serra Branca, os artigos como panelas, travessas, potes, fogareiros e bonecas variam de R$10 a R$ 70 dependendo do tamanho.

 

O Cariri e o Sertão da Paraíba foram agraciados com um barro altamente resistente, que possui coloração avermelhada e serve para confeccionar peças que resistem a altas temperaturas. Manusear o barro e a partir dele criar objetos e utensílios com características singulares não é tarefa fácil, exige criatividade, calma e muita técnica. 

Tradição e técnica na

simplicidade de uma artesã

Peça em fase de secagem 

Foto: Edna Amorim

Fotografias: Edna Amorim / Elaine Lima

Entrevista produzida por:

Edna Maria Amorim

Elaine de Lima

Georgia Eugenio

Handson Alves

Rosangela Ferreira

 

19/12/2014

Dona Helena Feitosa com algumas de suas produções

Foto: Edna Amorim

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